Os cuidados de saúde estão a passar por um momento verdadeiramente transformativo, o que de certa forma tem sido acelerado devido à pandemia.
Desde consultas online, utilização de aplicações (apps) e wearables como modo de prevenção, informação e até de diagnóstico, digitalização de processos e do histórico clínico, cuidados domiciliários e de proximidade, a medicina personalizada, a internet das coisas… são muitas as tendências e transições que já estão a acontecer, em Portugal e em todo o mundo.
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E qual o papel do(a) enfermeiro(a) no meio desta transformação? Terá mais relevância? Será relegado para um segundo, ou até terceiro plano?
A meu ver, o enfermeiro terá um papel crucial e central nesta transição, que permitirá cuidados mais próximos, mais inovadores, mais personalizados e acima de tudo mais eficientes.
Neste visível crescendo de cuidados domiciliários e de proximidade, devido a doentes crónicos, hospitais sobrelotados, uma população cada vez mais idosa e isolada — dados de 2016 indicam quase um milhão de idosos em situação de solidão ou isolamento — mas que prefere ser tratada em casa, o(a) enfermeiro(a) será a pessoa-chave no acompanhamento do paciente no seu domicílio.
Isto para fazer o seguimento da sua situação clínica, fazendo a análise e reportando os seus sinais vitais e outros indicadores básicos, mas também do seu bem-estar e saúde mental, e das condições dos equipamentos de vídeo-consulta, de medição e monitorização, e do contexto em que estão instalados — o domicílio — face a diversos parâmetros tais como a mobilidade e facilidade de uso.
Mas nas suas funções prioritárias deverá estar claramente listado o acompanhamento didático da utilização das ferramentas inovadoras de diagnóstico e monitorização, como as apps, sensores e outros dispositivos que recolhem a informação de forma constante e a transmitem ao corpo clínico que segue o paciente. O bom funcionamento e devida utilização destes aparelhos é determinante para a qualidade dos dados que são transmitidos.
É este apoio pedagógico sobre como e porquê utilizar estas ferramentas que permitirá uma maior eficiência e consequente transição para uns cuidados domiciliários mais eficazes e de qualidade, tanto para a equipa clínica que acompanha a situação como para o paciente que está em casa, inclusive para os seus familiares e eventuais cuidadores. Um apoio que já se evidenciava ser fundamental na literacia em saúde, e agora cada vez mais na literacia digital em saúde.

E numa era de crescimento exponencial de soluções inovadoras baseadas em inteligência artificial e machine learning, em que falamos com chatbots para despistar os primeiros sintomas, softwares de imagem médica que analisam diretamente o risco de cancro diagnosticado, e assistentes pessoais como o Google Home ou a Alexa a relembrarem-nos dos medicamentos, nada consegue substituir a empatia humana e a inteligência emocional.
Sobretudo em pacientes crónicos, idosos e isolados, a empatia que um(a) enfermeiro(a) poderá trazer terá um valor inestimável, e um impacto direto na evolução e motivação do paciente. Tomando como exemplo uma das enfermeiras icónicas do século XIX, Florence Nightingale, a empatia e a devoção para com os pacientes não só são vistas como uma virtude, mas acima de tudo um pilar intrínseco da profissão, e que mais do que nunca, nesta transição para uma era mais digital e inevitavelmente mais distante, será um skill essencial a pôr em prática e que nenhum robô, dispositivo ou aplicação poderá compensar.
Finalmente, para garantir a eficiência dos cuidados de saúde nesta transição que testemunhamos, é preciso também munir os enfermeiros de mais ferramentas, mais responsabilidade e maior capacidade de execução. Dar-lhes a possibilidade, e consequentemente o voto de confiança, de realizarem tarefas simples, básicas, mas tão necessárias de análise, de medição, de diagnóstico, e poderem substituir, em determinados casos, especialistas na realização dos mesmos. Só assim conseguiremos aliviar algum trabalho desses clínicos, e certificar que se chegue ao máximo número de pacientes possíveis, e recolher informação atempadamente que permitirá melhores triagens, despistes e diagnósticos.
E este empowerment do papel do(a) enfermeiro(a) tem que ser articulado a nível europeu, coordenado pelas ordens dos respetivos países. Não faz sentido, por exemplo, um enfermeiro em Inglaterra poder prescrever medicação ou realizar ecografias abdominais, e em Portugal não.
Tal como no mundo empresarial, também nos cuidados de saúde, devido a um contexto de transição, mas devidamente acompanhado de (in)formação, é preciso saber delegar e confiar nos outros.
E os enfermeiros têm uma (muito importante) palavra a dizer na próxima era do nosso sistema de saúde, e nós temos que os ouvir e valorizá-los para garantir a eficiência, qualidade, adesão e esperado impacto do nosso atual e futuro SNS.
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Por David Magboulé, fundador da LabToMarket, empresa de consultoria em estratégia e inovação em saúde.
Poderás explorar a sua perspetiva pessoal na entrevista realizada pelo COO da MyCareforce, João Hugo Silva. Acompanha-nos no Instagram, Facebook e LinkedIn, ou regista-te em mycareforce.co